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quinta-feira, 29 de março de 2012

Autoretrato, Francisco Solari

Este é o autoretrato do artista uruguaio que morreu recentemente, Francisco Solari, ou Pancho, como era conhecido.

Artista plástico, restaurador, ourives e ser humano encantador. Vale a pena conhecer suas obras... Visite aqui:

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Poço / Para uma Tumba sem Nome - Juan Carlos Onetti, Novelas

É preciso um certo fôlego. O mesmo - ou ao menos muito semelhante - com que buscamos para ler Faulkner ou Kafka. É como um ar quente, abafado. Há uma deliquescência na escrita de Onetti que dissolve uma história na outra, uma prosa na outra, e não nos permite ver com facilidade aonde termina o quê e aonde. É com fôlego que damos algumas braçadas e chegamos ao outro lado do rio - sei lá qual rio, porque até isso soa fosco, esbranquiçado. Mas por isso mesmo é grandioso. Cansativo e grandioso. E respiramos ao final com a vitória de ter acabado e a vitória de não ter chegado precisamente a lugar nenhum - e o que importa não chegar a lugar algum? (De qualquer jeito continuamos os mesmos? Ou só por isso continuamos os mesmos? E por que não continuar? São infinitas perguntas que não necessariamente precisam ser respondidas) É o mesmo desenlace que parecem tomar seus personagens, esse que nós, leitores, tomamos: lugar algum. E estamos bem com isso, mais, estamos satisfeitos. A escrita varia entre o néscio, o lúgrube, escuro, existencial, anelante, lírico, lírico demais.

Nas duas novelas reunidas neste livro, mesmo que em caminhos distintos, revela-se a atmosfera lúdica, ensandecida, ofegante de Onetti. Com exagerada capacidade imagética (porém fugida do realismo), lirismo, bom gosto, cuidado, mau gosto também, lirismo, desdobramento, para os adjetivos. (Lembrem, os adjetivos). Onírico demais.

Em "O Poço" (1939), Onetti conta a história de um homem de 40 anos que angustiado, sozinho e sem tabaco, em um quarto trancado e sujo, resolve escrever a história de sua vida. O narrador-escritor se alterna na exposição da lembrança de sonhos e trechos de acontecimentos vividos em pura assossiação livre. Parece-me às vezes que o sonho aparece como o contraponto, resposta à uma vida por hora fracassada, que não há muito para aproveitar, relatar. Mas por hora, ainda não sei o que de fato é sonho e o que é realidade e até onde se confunde essa fibra fina que Onetti constrói (ou desconstrói) entre os dois.

"Dizem que há diversas maneiras de mentir; mas a mais repugnante de todas é dizer a verdade, a verdade inteira, ocultando a alma dos fatos. Porque os fatos são sempre vazios, são recipientes que vão tomar a forma do sentimento que os preencha." (O narrador-personagem de O Poço, pg 37)


Em “Para uma tumba sem nome” (1959), a história de uma mulher, um homem, e um bode é desnovelada; tenta ser relatada de diversas formas, por diversos ângulos, para um médico que vai juntando seus cacos para compreendê-la e dá também a sua impressão, composição narrativa, sem nunca conseguir chegar à uma versão final. Mas o que importa saber da história de fato? É uma narrativa truncada, que não se encontra, com limites dissolvidos. Há a história dentro da história dentro da história. E por isso mesmo soa fascinante, e por isso mesmo o "lugar nenhum" como citei antes, uma dificuldade um pouco eletrizante: como sair desta coisa nebulosa? E por isso Faulkner, e por isso Kafka. Como descobrir quais os limites, se há limites, para quê limites?

"Não estou mandando que repare nisto ou naquilo; estou sugerindo, simplesmente. Quando lhe peço que repare em algo não o estou ajudando em nada a compreender a história; mas talvez essas sugestões sejam úteis para que se aproxime da minha compreensão da história, da minha história") (Jorge Malábia para o Médico em "Para uma Tumba sem Nome", pag 96)


O Poço / Para uma Tumba sem Nome
Juan Carlos Onetti
Editora Planeta Literário
168 páginas





Juan Carlos Onetti (1909 — 1994) foi um escritor uruguaio. Permaneceu muito tempo inédito, desconhecido (diria quase inóspito) no Brasil, tendo recentemente suas obras lançadas (em nosso português) em função de seu centenário de nascimento em 2009.

domingo, 4 de abril de 2010

Viceversa - Mario Benedetti, Poesia

no original:

Viceversa

Tengo miedo de verte
necesidad de verte
esperanza de verte
desazones de verte

tengo ganas de hallarte
preocupación de hallarte
certidumbre de hallarte
pobres dudas de hallarte

tengo urgencia de oírte
alegría de oírte
buena suerte de oírte
y temores de oírte

o sea
resumiendo
estoy jodido
y radiante
quizá más lo primero
que lo segundo
y también
viceversa.


Aqui tento uma tradução ingênua:

Vice-versa

Tenho medo de ver-te
necessidade de ver-te
esperança de ver-te
inquietudes de ver-te

tenho vontade de encontrar-te
preocupação de encontrar-te
segurança de encontrar-te
pobres dúvidas de encontrar-te

tenho urgência de ouvir-te
alegria de ouvir-te
boa sorte de ouvir-te
e temores de ouvir-te

ou seja
resumindo
estou fodido
e radiante
quiçá mais o primeiro
do que o segundo
e também
vice-versa

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Gracias Por el Fuego, Mario Benedetti, Romance

Há algo na literatura uruguaia de tão doce e triste que não sei de fato explicar. Mas é sutil. O que leio parece a voz de um povo que foi violado, perdeu algo muito preciso (ou precioso?) dentro dos seus dias, um povo que foi ferido na sua ingenuidade mas que permaneceu inerte de alguma forma numa espécie de impotência, não sei se conformismo. Ao conhecer o uruguai só pude encontrar pessoas amáveis, de nenhum jeito histéricas, embora carregassem algum uníssono de tristeza. Na obra de Mario Benedetti isso não é diferente. Mesmo em seus livros mais políticos, parece ter uma voz tão próxima e tão intima do leitor que cheguei a me emocionar bastante durante os dois romances que li.

Gracias por el fuego, se passa no Uruguai e narra a história de Ramon Budiño que é confrontado com seus desejos, sua impotência em relação a si mesmo e à sociedade,(sua baixo-estima? falta de crença em si?) principios e ambições tortuosos não claramente definidos e o amor e ódio que mantém pelo seu pai, Edmundo Budiño - que aparece como um personagem magnata totalmente sem escrúpulos. A relação dos dois é a parte mais forte do romance, fazendo um paralelo com a opressão/dependência capitalista dos anos 60 no país, representado pelo pai, e a impotência de um povo, representado pelo filho, que está perdido, confuso e embora não aceite totalmente a expansão da corrupção em sua pátria, se omite. A falta de perspectiva de Ramón, seu eminente fracasso em relação à sua subjetividade, individualidade, desencanto consigo mesmo, o põem em um redemoinho tão grande que só consegue vislumbrar o assassinato de seu pai como a única saída e solução para si, para o país, para seu filho adolescente. Até chegar nesta conclusão e após, o enredo se constrói.

"Apresento-lhes Ramón Budiño, ao começar a jornada em que resolveu matar Edmundo Budiño, um crápula que provisória e casualmente é seu pai. Roga-se por não inquirir por circunstâncias antenuantes, porque não as há. Trata-se de um crime longamente ruminado. A única sorte é não acreditar em Deus. Assim há menos complicações. Apresento-lhes Ramón Budiño, vivissiccionista das relações com seu pai, insone fora de foco, covarde que joga sua última carta de valentia, nu com incipiente pança, iminente órfão por própria decisão e meditado rompante, apaixonado sem beijos e sem língua, pobre diabo inteligente e carrancudo, criminoso inesperado no entanto, estúpido com excesso de memória, criador da 'própria absolvição, pálido esquerdista sentado à direita, abastado possuidor de escrúpulos elétricos, curioso da própria morte e também da alheia, cansado de ser displiscente, pai desolado e sem norte, valoroso sexual, perpléxo incurável, eu." pág 121/122



Gracias Por el Fuego
Mario Benedetti
Editora L&M POCKET
266 páginas



(Leia sobre Benedetti nas postagens anteriores)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Cambalache - Mario Benedetti, Conto

Aquele time de futebol, rio-platense (não darei mais detalhes, pois o que interessa aqui é a anedota, não o nome dos atores), chegou à Europa apenas 24 horas antes da sua primeira partida contra uma das mais prestigiosas equipes do Velho Continente (aqui também não darei maiores detalhes). Mal tiveram tempo para um breve treino, num estádio mais ou menos secundário, com um gramado desastroso.

Quando por fim entraram no verdadeiro campo (ou field, como preferem alguns puristas), ficaram estupefatos com as colossais dimensões do estádio, com as arquibancadas lotadas e vociferantes, e também com a atmosfera gélida de um janeiro implacável.

Como de praxe, as duas equipes se alinharam para ouvir e cantar os hinos. Primeiro, logicamente, o dos locais, entoado pelo público e pelos jogadores, seguido de uma intensa ovação.

Depois foi a vez do nosso. A gravação era horrível, com uma desafinação realmente olímpica. Nem todos os jogadores sabiam a letra inteira, mas acompanharam pelo menos a estrofe mais conhecida. Um dos atletas, casualmente um atacante, embora se lembrasse do hino, resolveu cantar no lugar dele o tango "Cambalache": "Que el mundo fue y será una porquería, ya no lo sé, en el quinientos seis, y en dos mil también." Só na tribuna de honra, alguns poucos aplaudiram por obrigação.

Finda essa parte da cerimônia e antes do ponta-pé inicial, que escreve a cargo de um encarquilhado ator do cinema mudo, os jogadores rio-platenses rodearam o atacante rebelde e o repreenderam duranmente por cantar um tango em vez do hino. Entre outros amáveis epítetos, els o chamaram de traídor, apátrida, sabotador e cretino.

O incidente teve inesperadas repercussões no jogo. No início, os demais jogadores evitaram passar a bola para o sabotador, de maneira que este, para tomá-la, era obrigado a recuar quase até a linha defensiva e depois avançar muito, esquivando-se dos robustos adversários e passando-a em seguida (porque não era egoísta) a quem estivesse melhor colocado para chutar a gol.

Os europeus jogaram melhor, mas faltavam poucos minutos para o apito final e nenhum dos dois times conseguira vazar a meta adversária. E assim foi até os 43 minutos do segundo tempo. Foi então que o apátrida tomou a bola num rebote e empreendeu sua desafiante disparada rumo ao gol adversário. Penetrou na grande área e, já que até então seus companheiros haviam desperdiçado as boas chances que lhes dera, driblou dois zagueiros com três gingadas geniais e, quando o goleiro saiu espavorido tentando cobrir o ângulo, o cretino ameaçou chutar com a direita mas chutou com a esquerda, a bola num inalcançável canto da trave. Foi o gol da vitória.

A segunda partida aconteceu em outra cidade (não entro em detalhes), num estádio igualmente imponente e com as arquibancadas lotadas. Lá também chegou a hora dos hinos. Primeiro o do time da casa e depois o dos visitantes. Embora a trilha sonora seguisse por outro lado, os 18 jogadores, perfeitamnete alinhados e com a mão direita sobre o peito, cantaram o tango "Cambalache", cuja letra, esta sim, todos sabiam de cor.

Apesar da vitória também nessa partida (não me lembro do resultado exato), os indignados dirigentes resolveram cancelar a excursão européia e multar todos os jogadores, sem exceção, acusando-os de traidores, apátridas, sabotadores e cretinos.


(Conto retirado do livro "Correios do Tempo", Mario Benedetti, Editora Objetiva)


Nota: Mario Benedetti (Paso de los Toros, 14 de setembro de 1920 — Montevidéu, 17 de maio de 2009) foi um poeta, escritor e ensaísta uruguaio.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Função da Arte - Eduardo Galeano














Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!

(Eduardo Galeano, em Livro dos Abraços)