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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Hoy ya ha pasado, Manuel Graña Etcheverry, poema

HOY YA HA PASADO

Ya va pasando el día. Ya los libros
no pueden. Ya la música no alcanza.
La evasión es inútil, solitario.
Ya tiene el espejo allí a tu frente:
mírate, solo, humeante el cigarrillo,
mira en el cuarto tu presencia sola.
No están sus manos ni sus ojos vienen,
ni su voz se te acerca, ni su beso,
ni se llega su amor para buscarte.
Has consumido sueños en la espera:
edificios de tenues armazones
que las horas gastaron poco a poco.
Y las sonoras ruinas de estupendos
coloquios del amor que imaginaste
han buscado su tumba en las paredes.
No te bastó el recuerdo: la querías
viviente y a un lado y en tus brazos.
Pero el día se va sin que ella venga.
Hoy no llegó la paz y tienen miedo.
No quieres en cristales retratarte
ni el agua del pasado te refresca.

Pero el día se va…cállalo, olvida.
Besa en el aire su mejilla ausente.
Hoy no llegó la paz. Hoy ya ha pasado.



----traduzindo----


HOJE JÁ PASSOU

Já o dia passa. Já os livros
não podem. Já a música não alcança.
A evasão é inútil, solitário.
Já tens o espelho a tua frente:
mira-te, sozinho, fumando o cigarro,
mira no quarto tua presença só.
Não estão suas mãos nem seus olhos vêm,
nem sua voz se aproxima, nem seu beijo,
nem chega seu amor para buscar-te.
Consumiste sonhos na espera:
edifícios de tenues quadros
que as horas gastaram pouco a pouco.
E ruínas sonoras de estupendos
colóquios de amor que imaginaste
têm buscado sua tumba nas paredes.
Não te bastou a lembrança: desejava-a
vivendo e perto e em teus braços.
Mas o dia se vai sem que ela venha.
Hoje a paz não veio e tens medo.
Não quer retratar-se em cristais
nem a água do passado te refresca.

Mas o dia se vai... cala-o, esqueça.
Beija no ar seu rosto ausente.
Hoje a paz não veio. Hoje já passou.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Diário de Andrés Fava, Julio Cortázar

Às vezes esqueço como é importante (talvez uma palavra menos imponente, talvez 'surpreendente') reler um livro, ainda mais como Cortázar, e escritores comme ça que, deste jeito mesmo incisivos, podem nos atravessar de diversas (até opostas) maneiras a cada vez que são lidos. Tive que rebocar minha memória para reler "O Diário de Andrés Fava", que me parecia completamente estranho (novo). (E daí vem Heráclito com a história de que mudamos etc e tal, mas não é disso que estou falando, pelo menos acho que não só. Fala muito da força independente que o livro tem para te abraçar de tantos lados). ...

Cortázar escreveu este livro em 1950 e só veio a publicá-lo em 86. O seu objetivo original era agregá-lo ao romance "El examen" (publicado no Brasil como 'O exame final'), mas como o Diário de Andrés Fava demonstrava vida própria, Cortázar decidiu guardá-lo para uma outra publicação. O que para mim deve ter sido o mais coerente, apesar de não ter lido ainda El Examen, mas o que parece é que o livro é tão independente que se poderia arrancar as páginas e elas valeriam por si mesmas. São citações, fragmentos, lembranças, pequenos relatos, observações (e angústias literárias)...Enfim. Um livro que se possa recorrer sempre. E se mantém perto.


"Além disso, não se deve procurar o mesmo amigo dois dias seguidos - por isso tempos três ou quatro, e os revesamos e revesamos: a segunda visita provavelmente seria aborrecida. Alterando um pouquinho certo ditado italiano: L'amico è come il pesce: dopo tre giorni, puzza." (Amigo é como peixe: depois de três dias, fede.)

"Uma coisa é acariciar o teu cabelo, e outra é encontrá-lo na sopa".

"Ainda sobre o suposto "sofrimento" do escritor: se de fato tens de sofrer, que não seja por causa do que escreves, mas como o fazes"






Diário de Andrés Fava
Julio Cortázar
Ed. José Olympio
127 páginas

terça-feira, 8 de março de 2011

Ausencia, Jorge Luiz Borges, poema...

Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.



---- tradução em parceria com Aninha Terra -------


Ausência

Haverei de levantar a vasta vida
que ainda agora é teu espelho:
cada manhã haverei de reconstruí-la.
Desde que te afastaste,
quantos lugares tornaram-se vãos
e sem sentido, iguais
à luzes no dia.
Tardes que foram o nicho da tua imagem,
músicas com que sempre me aguardavas,
palavras daquele tempo,
eu terei que quebrá-las com minhas mãos.
Em que buraco esconderei minha alma
para que não veja tua ausência
que como um sol terrível, sem acaso,
brilha definitiva e despiedada?
Tua ausência me rodeia
como a corda na garganta,
o mar em que se afunda.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Sobre heróis e tumbas - Ernesto Sabato, Romance

Buenos Aires, década de 50, com uma pluralidade narrativa imensa, Sabato inicia uma trilha (assustadora) para os porões da loucura, a qual parece ser o personagem principal desse livro. São várias vozes que pertencem ou rodeam de alguma forma a família Olmos, lotada de entes estranhos obsecados por mundos completamente insanos que vão sendo revelados no decorrer da obra. A entrada nestes mundos através das descrições de Sabato nos trás uma veracidade tal que é como se estivessemos dentro dos olhos de cada louco e começamos a questionar o que faz parte da realidade e o que não ou por que o mundo deles seria menos real do que o nosso. A fenomenologia caberia bem aqui. Pode-se concluir, conforme afirma um dos loucos mais conhecidos do centro manicomial Pinel do Rio de Janeiro que "As portas do hospício estão do avesso".


Não é um livro fácil, não só pelo número de páginas, mas pelo excesso de elementos históricos, personagens, vozes etc contidas no texto. Muitas vezes durante a leitura acabei pensando que Sabato poderia excluir umas 200 páginas e o livro seria o mesmo, mas é claro que esse parece um olhar pobre ou ingenuo demais. Talvez se fosse mais compacto do jeito que eu o imaginava, essa nossa expedição não chegasse tão fundo, no musgo do musgo do musgo como ficamos ao final. Mas é difícil, afinal, nunca é simples emaranhar-se tanto assim, senão no âmago das nossas condições, em mundos cheios de nós mesmos. - e de maneira tão bizarra ou tão cheio de sombras.

Os principais fios narrativos são Alejandra, jovem, que conforme Sabato já nasceu madura, com a velhice por dentro, torturada e caótica; Fernando, homem obsecado pela cegueira, passa sua vida fazendo um relatório sobre a Seita dos Cegos, que aliás preenche um dos 4 capítulos do livro; Martín, jovem apaixonado por Alejandra, enciumado, tímido, obsecado e ao mesmo tempo temeroso da família a qual ela pertence; e o general Juan Lavalle, que tem sua história recontada por flashes narrativos dentro e fora da boca dos personagens, herói da independencia argentina que lutou contra o tirano Rosas e teve que bater em retirada para a Bolívia um século antes de todo o cenário do Romance ser construído.

Sobre heróis e tumbas
Ernesto Sabato
Ed. Cia das Letra
623 páginas














Ernesto Sabato (Rojas, 1911) é um ensaista, escritor e artista plástico argentino. Sobre Heróis e Tumbas foi considerado o melhor romance Argentino do século XX

terça-feira, 23 de junho de 2009

Os Amantes, Júlio Cortázar

Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos:
algo fala entre seus dedos,
línguas doces lambem a úmida palma,
correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.
São os amantes,
sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva,
rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam
e se tocam uma vez mais
antes de haurir o dia.
Já estão vestidos,
já se vão pela rua.
E só então, quando estão mortos,
quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.

















(versão original:)

Los Amantes

¿Quién los ve andar por la ciudad
si están todos ciegos?
Ellos se toman de la mano: algo habla
entre sus dedos,
lenguas dulces
lamen la húmeda palma, corren por las falanges,
y arriba está la noche llena de ojos.

Son los amantes, su isla flota a la deriva
hacia muertes de césped, hacia puertos
que se abren entre sábanas.
Todo se desordena a través de ellos,
toda encuentra su cifra escamoteada;
pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega.

Amanece en los carros de basura,
empiezan a salir los ciegos,
el ministerio abre sus puertas.
Los amantes rendidos se miran y se tocan
una vez más antes de oler el día.

Ya están vestidos, ya se van por la calle.
Y es sólo entonces
cuando están muertos, cuando están vestidos,
que la ciudad los recupera hipócrita
y les impone los deberes cotidianos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Manual de Instruções, Julio Cortazar


A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro HÔTEL DE BELGIQUE.

Enfiar a cabeça como um touro apático contra a massa transparente em cujo centro bebemos café com leite e abrimos o jornal para saber o que aconteceu em qualquer dos cantos do tijolo de cristal. Resistir a que o ato delicado de girar a maçaneta, esse ato pelo qual tudo poderia se transformar, possa cumprir-se com a fria eficácia de um reflexo cotidiano. Até logo, querida. Passe bem.

Apertar uma colherinha entre os dedos e sentir seu latejar metálico, sua advertência suspeita. Como custa negar uma colherinha, negar uma porta, negar tudo o que o hábito lambe até dar-lhe uma suavidade satisfatória. Quanto mais simples é aceitar a fácil solicitação da colher, usá-la para mexer o café.

E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas. Que a nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta de nossos óculos, por que haveria de ser mau? Mas como um touro triste é preciso baixar a cabeça, do centro do tijolo de cristal empurrar para fora, em direção ao outro tão perto de nós, inacessível como o toureiro tão perto do touro. Castigar os olhos fitando isto que anda no céu e aceita astuciosamente o nome de nuvem, sua resposta catalogada na memória. Não pense que o telefone vai lhe dar os números que procura. Por que haveria de dá-los? Virá somente o que você tem preparado e resolvido, o triste reflexo de sua esperança, esse macaco que se coça em cima de uma mesa e treme de frio. Quebre a cabeça desse macaco, corra do centro em direção à parede e abra caminho. Oh, como cantam no andar de cima! Há um andar em cima nesta casa, com outras pessoas. Há um andar de cima onde moram pessoas que não percebem seu andar de baixo, e estamos todos dentro do tijolo de cristal. E se, de repente, uma traça pára pertinho de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olhe-a, eu a estou olhando, estou apalpando seu coração pequenino, e ouço-a: Essa traça ressoa na pasta de cristal congelado, nem tudo está perdido. Quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as casas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a pasta do tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina.


Trecho inicial, extraído de “Histórias de Cronópios e Famas”, de Julio Cortázar