mergulhem-se

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Espera - Bertold Brecht

O sr. K. esperou algo por um dia, depois por uma semana, e depois ainda por um mês. Por fim ele disse: "Um mês eu poderia muito bem esperar, mas não este dia e esta semana".


(do livro "Histórias do sr. Keuner", Bertold Brecht, tradução de Paulo César de Souza, Editora 34)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Poço / Para uma Tumba sem Nome - Juan Carlos Onetti, Novelas

É preciso um certo fôlego. O mesmo - ou ao menos muito semelhante - com que buscamos para ler Faulkner ou Kafka. É como um ar quente, abafado. Há uma deliquescência na escrita de Onetti que dissolve uma história na outra, uma prosa na outra, e não nos permite ver com facilidade aonde termina o quê e aonde. É com fôlego que damos algumas braçadas e chegamos ao outro lado do rio - sei lá qual rio, porque até isso soa fosco, esbranquiçado. Mas por isso mesmo é grandioso. Cansativo e grandioso. E respiramos ao final com a vitória de ter acabado e a vitória de não ter chegado precisamente a lugar nenhum - e o que importa não chegar a lugar algum? (De qualquer jeito continuamos os mesmos? Ou só por isso continuamos os mesmos? E por que não continuar? São infinitas perguntas que não necessariamente precisam ser respondidas) É o mesmo desenlace que parecem tomar seus personagens, esse que nós, leitores, tomamos: lugar algum. E estamos bem com isso, mais, estamos satisfeitos. A escrita varia entre o néscio, o lúgrube, escuro, existencial, anelante, lírico, lírico demais.

Nas duas novelas reunidas neste livro, mesmo que em caminhos distintos, revela-se a atmosfera lúdica, ensandecida, ofegante de Onetti. Com exagerada capacidade imagética (porém fugida do realismo), lirismo, bom gosto, cuidado, mau gosto também, lirismo, desdobramento, para os adjetivos. (Lembrem, os adjetivos). Onírico demais.

Em "O Poço" (1939), Onetti conta a história de um homem de 40 anos que angustiado, sozinho e sem tabaco, em um quarto trancado e sujo, resolve escrever a história de sua vida. O narrador-escritor se alterna na exposição da lembrança de sonhos e trechos de acontecimentos vividos em pura assossiação livre. Parece-me às vezes que o sonho aparece como o contraponto, resposta à uma vida por hora fracassada, que não há muito para aproveitar, relatar. Mas por hora, ainda não sei o que de fato é sonho e o que é realidade e até onde se confunde essa fibra fina que Onetti constrói (ou desconstrói) entre os dois.

"Dizem que há diversas maneiras de mentir; mas a mais repugnante de todas é dizer a verdade, a verdade inteira, ocultando a alma dos fatos. Porque os fatos são sempre vazios, são recipientes que vão tomar a forma do sentimento que os preencha." (O narrador-personagem de O Poço, pg 37)


Em “Para uma tumba sem nome” (1959), a história de uma mulher, um homem, e um bode é desnovelada; tenta ser relatada de diversas formas, por diversos ângulos, para um médico que vai juntando seus cacos para compreendê-la e dá também a sua impressão, composição narrativa, sem nunca conseguir chegar à uma versão final. Mas o que importa saber da história de fato? É uma narrativa truncada, que não se encontra, com limites dissolvidos. Há a história dentro da história dentro da história. E por isso mesmo soa fascinante, e por isso mesmo o "lugar nenhum" como citei antes, uma dificuldade um pouco eletrizante: como sair desta coisa nebulosa? E por isso Faulkner, e por isso Kafka. Como descobrir quais os limites, se há limites, para quê limites?

"Não estou mandando que repare nisto ou naquilo; estou sugerindo, simplesmente. Quando lhe peço que repare em algo não o estou ajudando em nada a compreender a história; mas talvez essas sugestões sejam úteis para que se aproxime da minha compreensão da história, da minha história") (Jorge Malábia para o Médico em "Para uma Tumba sem Nome", pag 96)


O Poço / Para uma Tumba sem Nome
Juan Carlos Onetti
Editora Planeta Literário
168 páginas





Juan Carlos Onetti (1909 — 1994) foi um escritor uruguaio. Permaneceu muito tempo inédito, desconhecido (diria quase inóspito) no Brasil, tendo recentemente suas obras lançadas (em nosso português) em função de seu centenário de nascimento em 2009.

domingo, 18 de abril de 2010

Capitaine Haddock - Tintin - Hergé, Quadrinhos..



Quadrinho 2: Isso, p-p-por exemplo! Meu Whisky-ky que se transforma em uma b-b-bola... N-N-Não é... p-p-possível, vejam! Será que eu j-j-já estou muito b-b-bêbado?

Quadrinho 3: Muito b-b-bêbado ou não... um Whisky honesto n-n-não se comporta dessa ma-maneira!... Vamos, aqui, e-e-e imediatamente!...


(do livro Les Aventures de Tintin, On a Marché sur la Lune - Hergé.... As aventuras de Tintin, Explorando a Lua)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Trágico Versátil, Poesia

(de Ricardo Mendes, que em outros momentos também é meu pai)

Ah! Se as musas soubessem
quão volúvel é o coração dos poetas,
embora vermelho e pulsante como o dos outros homens
fraco e sensível ele é,
amante das vedetas
ferido o coração, cheio de setas,
nomes, lábios, seios, devaneios,
um dicionário sensorial de amores e receios

Ah! Se o peito de um poeta
pudesse ser aberto,
cicatrizes de ilusões apareceriam
raízes sem caules de futuros amores cresceriam
e o poeta morreria de vergonha
ao ter seu superego investigado
como um cego que se sinta desvendado
na escuridão dos próprios olhos
E é só o que basta, esse vazio,
pra que num ímpeto se esqueça
de escrever poesias
meta uma bala na cabeça
e como todo o bom poeta
morra ao raiar do dia


(do livro "Tatuagem", Ricardo Mendes, 86)

domingo, 4 de abril de 2010

Viceversa - Mario Benedetti, Poesia

no original:

Viceversa

Tengo miedo de verte
necesidad de verte
esperanza de verte
desazones de verte

tengo ganas de hallarte
preocupación de hallarte
certidumbre de hallarte
pobres dudas de hallarte

tengo urgencia de oírte
alegría de oírte
buena suerte de oírte
y temores de oírte

o sea
resumiendo
estoy jodido
y radiante
quizá más lo primero
que lo segundo
y también
viceversa.


Aqui tento uma tradução ingênua:

Vice-versa

Tenho medo de ver-te
necessidade de ver-te
esperança de ver-te
inquietudes de ver-te

tenho vontade de encontrar-te
preocupação de encontrar-te
segurança de encontrar-te
pobres dúvidas de encontrar-te

tenho urgência de ouvir-te
alegria de ouvir-te
boa sorte de ouvir-te
e temores de ouvir-te

ou seja
resumindo
estou fodido
e radiante
quiçá mais o primeiro
do que o segundo
e também
vice-versa

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Encorajamento - Guimarães Rosa, Poesia

Meu desejo corre a ti com velas enfunadas...
Podes dar-lhe um porto, sem nenhum receio:
ele não traz âncora...


(do livro "Magma" - João Guimarães Rosa; Ed. Nova Fronteira)