Estou um pouco assustada depois de ler num só fôlego o primeiro volume dos diários de Susan Sontag; o que me pareceu uma maneira um tanto imprópria de fazê-lo. São milhares de anotações; impressões; argumentações sobre pessoas, coisas, filmes, literatos, filósofos, professores, instituições, peças de teatro, cidades etc. etc. Listas sobre muitas coisas, relatos, relações afetivas, citações e mais citações, livros para serem lidos, descobertas... Tudo isso numa intermitência tal (própria dos diários) que não dão tempo de digerir, entranhar-se, envolver-se de forma segura sem que as nossas sinapses saiam rolando soltas e descontroladas procurando algum fio que as ate. Minha cabeça está numa fragmentação tal que é difícil entender qual o sentimento que permaneceu após fechar a última página. O que mais me pareceu incrível é a forma tão intensa que S.S. fala das suas relações afetivas e ao mesmo tempo dentro de uma atmosfera tão intlectual, a energia está sempre na cabeça, sempre mente inquieta, leitora ávida, estudante afobada... Seria difícil entender tamanha dicotomia se ela também não nos fosse tão própria do mundo atual, só não deixa de ser aflitivo. Sei que comprazi-me em muitos momentos - frenéticos ou não - e precisaria realmente revisitá-los com mais calma; folhear novamente as páginas e tentar preencher eu mesma, com paciência, os buracos que permaneceram para mim entre uma entrada e outra, como enxertos literários. Alors... De qualquer forma, deixo alguns trechos para quem quiser embrenhar-se - recomendo que escolham uma forma mais saudável do que a minha para ler (se é que isso existe).
"Quem inventou o casamento foi um torturador astuto. É uma instituição destinada a embotar os sentimentos. Toda a questão do casamento se resume a repetição. O melhor que ele almeja é a criação de dependências fortes e mútuas.
Brigas acabam perdendo todo o sentido, a menos que a pessoa esteja pronta a agir sobre elas - ou seja, terminar o casamento. Assim, depois do primeiro ano, a pessoa para de "perdoar" depois das brigas - apenas recai num silêncio irritado, que passa a um silêncio comum, e depois continua outra vez." ( 4/9/56; S.S. aos 23 anos, casada com Philip Rieff)
"Se apresentada aos meus bisnetos, no dia das minhas bodas de ouro?'Bisavó, você tinha sentimentos?' 'Sim. Foi uma doença que peguei na adolescência. Mas fiquei curada.'" (6/1/57; S.S. quase com 24 anos, ainda com P.R.)
"Nunca obter aquilo que se quer é nunca querer (por muito tempo) aquilo que se obtém - exceto, às vezes, quando é tomado à força" (26/2/58; S.S. aos 24 anos, refletindo sobre seu relacionamento com Harriet)
"Amar magoa. É como se oferecer para ser esfolada, e sabendo que a qualquer momento a pessoa pode simplesmente ir embora levando sua pele" (8/8/60; S.S. aos 26 anos, dentro de seu relacionamento com Irene Fornes)
"O medo de ficar velha nasce do reconhecimento de que não estamos vivendo agora a vida que desejamos. É equivalente a sensação de maltratar o presente" (19/12/61; S.S. aos 27 anos)
"Escrevo para definir a mim mesma - um ato de autocriação - parte do processo de tornar-se - Num diálogo consigo mesma, com escritores que admiro, vivos e mortos, com leitores ideiais..." (início de 1962; S.S. aos 28 anos)
Diários (1947-1963)
Susan Sontag
organização de David Rieff
Ed. Cia das Letras
336 páginas
Susan Sontag (1933-2004) foi uma escritora, crítica de arte e ativista norte-americana.
Um comentário:
Quero esse livro emprestado.
Por outro lado.
Postar um comentário