(Railroad Sunset, 1929, Edward Hopper)
Depois de ler Carson McCullers, como em "O Coração é um Caçador Solitário", me invade uma espécie de sutileza, ternura, que não sei explicar. Seu olhar é de uma inocência quase infantil. Tem para com os que descreve um carinho e uma sensibilidade tão grande que nos faz olhar para o gesto mais feio com olhos menos severos, nos dá a possibilidade de reconciliar-se com aquilo que seria "intragável".
Nos sete contos deste livro, McCulleres, trás a visão mais sutil e humana de cada história, as quais fossem narradas por escritores só um pouquinho mais duros, perderiam completamente o encanto. Por exemplo, em "a balada do café triste", a forma com que descreve o amor da gigantesca e rude Srta. Amélia pelo corcunda Lymon que não media mais do que 1,10 metro de altura; ou no jeito com que descreve o Uísque feito pela Srta. Amélia que amenizava a vida de qualquer um daquela cidade nos fins do mundo; ou o também amor de um bandido inescrupuloso. Como não transformar os nossos olhos diante das deformidades, do grotesco, do inusual? Como não ter empatia para/com eles de forma tão natural e delicada sem que essa empatia nos soe estranha ou incômoda? É o que me parece quando a leio. Em "Wunderkind" principalmente e em "O transeunte" trás mais uma vez a sua paixão pelo piano que é também retratada de forma autobiografica na figura de Mick Kelly em "O Coração é um Caçador Solitário", o piano também descrito de forma incomum, nos transpõe quase como dentro da música, mesmo para quem não é familiar ao reino musical. Gosto especialmente de "Wunderkind" pela qualidade como são descritos os pequenos gestos, a mão de um professor de piano, seus dedinhos em movimento, os silêncios enormes que há entre o gesto e outro, dão uma enorme intensidade para o que com um descuido poderia se tornar raso.
Deforminades, meninos prodígio, alcoólotras, apaixonados obsessivos, transeuntes, bandidos, mentirosos, esquizofrênicos etc, sempre ao lado da minoria, são dessas pessoas que falam estas histórias, que com "um mínimo de palavras e um máximo de intensidade" como descreveu o C.F.Abreu, me remetem também à existência de McCullers, curta e intensa. Em dado momento de sua vida teve o seu lado esquerdo do corpo paralisado e já no fim, perto de sua morte aos 50 anos, escrevia deitada em sua cama com apenas um dos dedos. Talvez passe por aí a experiência, a visão tào dócil com que retrata os excluídos, a solidão etc.
"A srta. McCullers e talvez o sr. Faulkner são os únicos escritores depois da morte de D.H. Lawrence com uma sensibilidade poética original. Eu prefiro a srta. McCullers ao sr. Faulkner, porque ela escreve com mais clareza, e a prefiro a D.H. Lawrence porque ela não tem mensagem" Graham Green sobre Carson McCullers.
A Balada do Café Triste
Carson McCullers
Ed. José Olympio
191 págs
(ler sobre Carson McCullers nas postagens anteriores)
4 comentários:
!
Me lembrou o Escafandro e a Borboleta, já assistiu? bjooos
que alivio que vc fez olhos com mcullers, ela é melhor que faulkner e que caio e que hemingway. ela é, enfim, a mais esquisita e responde àquilo que dizem das mulheres: "que isso, que se passa?"
já falando em lawrence, leia lady chatterley. estou acabando, é areia infinita.
te amo, beijos.
Lerei o Lawarence agora mesmo, querido. McCullers tem curado muito de minhas feridas. Obrigada por isso.
Beijo e todo o amor.
Postar um comentário