O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
– Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.
(11 de junho de 1920)
mergulhem-se
domingo, 23 de março de 2008
sexta-feira, 21 de março de 2008
Pasmo - Sebastião da Gama
Nessas noites de morna calmaria
em que o Mar se não mexe o Arvoredo
não murmura, pedindo o Sol mais cedo,
que o resguarde da fria Ventania;
em que a Lua boceja, se embacia,
e as palavras estagnam, no ar quêdo,
noites podres - até chego a ter mêdo
de me volver também Monotonia.
E então sinto vontade de atirar
meu corpo bruto e nu contra o espanto
da Noite, a ver se o quebro e vibro, enfim;
cair no lago morto e acordar
os cisnes que adormecem de quebranto...
.......................................
Mas só caio, afinal, dentro de mim.
terça-feira, 4 de março de 2008
Labirinto da Solidão, Octávio Paz, Ensaio
Octávio Paz (1914 - 1998) foi um ensaísta e poeta mexicano, um dos mais considerados e controvertidos da segunda metade do século XX em seu país. Em O Labirinto da Solidão, públicado por ele em 1950, Paz abre um horizonte de reflexão que nos ajuda a entender e a situar não só o homem mexicano, mas também o latino-americano, em sua realidade emocional, mental, e social repelido dentro do contexto histórico mundial de hoje. Acredito que esse livro seja muito além do que um simples ensaio filosófico, há algo que nos faz, imagino, recobrar a consciência para o próprio ser.
"(...) Gente das cercanias, moradores dos subúrbios da história, nós, latino-americanos, somos os comensais não convidados que se enfileiraram à porta dos fundos do Ocidente, os intrusos que chegam à função da modernidade quando as luzes já estão quase apagando - chegamos atrasados em todos os lugares, nascemos quando já era tarde na história, também não temos um passado ou, se o temos, cuspimos sobre os seus restos; nossos povos ficaram dormindo durante um século, e enquanto dormiam foram roubados - agora estão em farrapos; não conseguimos conservar sequer o que os espanhóis nos deixaram ao ir embora; apunhalamo-nos entre nós... Não obstante, desde o chamado modernismo de final de século, nestas nossas terras hostis ao pensamento brotaram, aqui e ali, dispersos mas sem interrupção, poetas, prosadores e pintores que são comparáveis aos melhores de outras partes do mundo. Seremos agora, por fim capazes de pensar por nossa própria conta? Poderemos conceber um modelo de desenvolvimento que seja a nossa versão da modernidade? Projetar uma sociedade que não esteja fundamentada na dominação dos outros e que não termine nem nos gelados paraísos policiais do Leste nem nas explosões de náusea e ódio que interrompem o festim do Oeste?" (Octávio Paz, O Labirinto da Solidão)
"(...) Gente das cercanias, moradores dos subúrbios da história, nós, latino-americanos, somos os comensais não convidados que se enfileiraram à porta dos fundos do Ocidente, os intrusos que chegam à função da modernidade quando as luzes já estão quase apagando - chegamos atrasados em todos os lugares, nascemos quando já era tarde na história, também não temos um passado ou, se o temos, cuspimos sobre os seus restos; nossos povos ficaram dormindo durante um século, e enquanto dormiam foram roubados - agora estão em farrapos; não conseguimos conservar sequer o que os espanhóis nos deixaram ao ir embora; apunhalamo-nos entre nós... Não obstante, desde o chamado modernismo de final de século, nestas nossas terras hostis ao pensamento brotaram, aqui e ali, dispersos mas sem interrupção, poetas, prosadores e pintores que são comparáveis aos melhores de outras partes do mundo. Seremos agora, por fim capazes de pensar por nossa própria conta? Poderemos conceber um modelo de desenvolvimento que seja a nossa versão da modernidade? Projetar uma sociedade que não esteja fundamentada na dominação dos outros e que não termine nem nos gelados paraísos policiais do Leste nem nas explosões de náusea e ódio que interrompem o festim do Oeste?" (Octávio Paz, O Labirinto da Solidão)
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