essa a vida que eu quero,
querida
encostar na minha
a tua ferida
do livro La Vie en Close, P. Leminski
mergulhem-se
quinta-feira, 17 de maio de 2012
segunda-feira, 7 de maio de 2012
O exílio do Imaginário, Roland Barthes
1. Tomo Werther nesse momento fictício (na própria ficção) em que ele teria renunciado a se suicidar. Só lhe resta então o exílio: não seria se afastar de Charlotte (ele já o fizera uma vez sem resultado), mas se exilar da sua imagem, ou pior ainda: interromper essaenergia delirante que se chama Imaginário. Começa então "uma espécie de longa isônia". Esse é o preço a pagar: a morte da imagem contra minha própria vida.
(A paixão amorosa é um delírio; mas o delírio não é estranho; todo mundo fala dele, ele fica então domesticado. O que é enigmático é a perda de delírio: se entra em quê?)
2. “No luto real, é a “prova de realidade” que me mostra que o objeto amado não existe mais. No luto amoroso o objeto não está morto, nem distante. Sou eu quem decido que a sua imagem deve morrer (e ele talvez nem saberá disso). Durante todo o tempo de duração desse estranho luto, terei que suportar duas infelicidades contrárias: sofrer com a presença do outro (continuando a me ferir à sua revelia) e ficar triste com a sua morte (pelo menos tal como eu o amava). Assim me angustio (velho hábito) por causa de um telefone que não toca, mas ao mesmo tempo devo me dizer que esse silêncio é de qualquer jeito inconseqüente, porque decidi elaborar o luto dessa preocupação: é a imagem amorosa que deve me telefonar; desaparecida essa imagem, o telefone, toque ou não, retoma sua existência fútil.
(O ponto mais sensível desse luto não será que devo perder uma linguagem - a linguagem amorosa? Acabaram os "Eu te amo".)
3. Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto mais eu consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário para a “cura”, convenhamos que o progresso é triste. Essa tristeza não é uma melancolia, pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem morre para que eu viva – o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar: Que pena!”
4. Prova de amor: te sacrifico meu Imaginário — como se dedicava o corte de uma cabeleira. Assim talvez (pelo menos é o que dizem) terei acesso ao "verdadeiro amor". Se há alguma semelhança entre a crise amorosa e a cura analítica, elaboro então o luto de quem eu amo, como o paciente elabora o luto do seu analista: liquido minha transferência, e parece que, assim, a cura e a crise terminam.Entretanto, como já foi dito, essa teoria esquece que o analista também deve elaborar o luto do seu paciente (sem o que a análise corre o risco de não terminar nunca); do mesmo modo, o ser amado — se eu lhe sacrifico um Imaginário que estava entretanto grudado nele -, o ser amado deve entrar na melancolia de sua própria decadência. É preciso prever e assumir essa melancolia do outro ao mesmo tempo do meu próprio luto, e sofro, pois ainda o amo.
O ato verdadeiro do luto não é sofrer a perda do objeto amado; é constatar um dia o aparecimento de uma manchinha na pele da relação, sintoma de morte certa: pela primeira vez faço mal a quem amo, sem querer é claro, mas sem me desesperar.
5. Tento me soltar do Imaginário amoroso: mas o Imaginário queima por baixo, como um fogo mal apagado; cria brasa novamente; ressurge aquilo a que se renunciou; um longo grito irrompe bruscamente do túmulo mal fechado.
(Ciúmes, angústias, posses, discursos, apetites, signos, o desejo amoroso queimava de novo por todo lado. Era como se eu quisesse abraçar pela última vez, até a loucura, alguém que fosse morrer — para quem eu fosse morrer: eu procedia a uma recusa de separação.)
.....
trecho de Fragmentos de um Discurso Amoroso, Roland Barthes
de Egon Schiele
(A paixão amorosa é um delírio; mas o delírio não é estranho; todo mundo fala dele, ele fica então domesticado. O que é enigmático é a perda de delírio: se entra em quê?)
2. “No luto real, é a “prova de realidade” que me mostra que o objeto amado não existe mais. No luto amoroso o objeto não está morto, nem distante. Sou eu quem decido que a sua imagem deve morrer (e ele talvez nem saberá disso). Durante todo o tempo de duração desse estranho luto, terei que suportar duas infelicidades contrárias: sofrer com a presença do outro (continuando a me ferir à sua revelia) e ficar triste com a sua morte (pelo menos tal como eu o amava). Assim me angustio (velho hábito) por causa de um telefone que não toca, mas ao mesmo tempo devo me dizer que esse silêncio é de qualquer jeito inconseqüente, porque decidi elaborar o luto dessa preocupação: é a imagem amorosa que deve me telefonar; desaparecida essa imagem, o telefone, toque ou não, retoma sua existência fútil.
(O ponto mais sensível desse luto não será que devo perder uma linguagem - a linguagem amorosa? Acabaram os "Eu te amo".)
3. Quanto mais eu fracasso no luto da imagem, mais fico angustiado; mas, quanto mais eu consigo, mais me entristeço. Se o exílio do Imaginário é o caminho necessário para a “cura”, convenhamos que o progresso é triste. Essa tristeza não é uma melancolia, pois não me acuso de nada e não fico prostrado. Minha tristeza pertence a essa faixa de melancolia onde a perda do ser amado fica abstrata. Falta redobrada: não posso nem mesmo investir minha infelicidade, como no tempo em que eu sofria por estar apaixonado. Nesse tempo, eu desejava, eu sonhava, eu lutava; diante de mim havia um bem, apenas retardado, atravessado por contratempos. Agora, não há mais repercussão; tudo está calmo e é pior. Embora justificado por uma economia - a imagem morre para que eu viva – o luto amoroso tem sempre um resto: uma palavra volta sem parar: Que pena!”
4. Prova de amor: te sacrifico meu Imaginário — como se dedicava o corte de uma cabeleira. Assim talvez (pelo menos é o que dizem) terei acesso ao "verdadeiro amor". Se há alguma semelhança entre a crise amorosa e a cura analítica, elaboro então o luto de quem eu amo, como o paciente elabora o luto do seu analista: liquido minha transferência, e parece que, assim, a cura e a crise terminam.Entretanto, como já foi dito, essa teoria esquece que o analista também deve elaborar o luto do seu paciente (sem o que a análise corre o risco de não terminar nunca); do mesmo modo, o ser amado — se eu lhe sacrifico um Imaginário que estava entretanto grudado nele -, o ser amado deve entrar na melancolia de sua própria decadência. É preciso prever e assumir essa melancolia do outro ao mesmo tempo do meu próprio luto, e sofro, pois ainda o amo.
O ato verdadeiro do luto não é sofrer a perda do objeto amado; é constatar um dia o aparecimento de uma manchinha na pele da relação, sintoma de morte certa: pela primeira vez faço mal a quem amo, sem querer é claro, mas sem me desesperar.
5. Tento me soltar do Imaginário amoroso: mas o Imaginário queima por baixo, como um fogo mal apagado; cria brasa novamente; ressurge aquilo a que se renunciou; um longo grito irrompe bruscamente do túmulo mal fechado.
(Ciúmes, angústias, posses, discursos, apetites, signos, o desejo amoroso queimava de novo por todo lado. Era como se eu quisesse abraçar pela última vez, até a loucura, alguém que fosse morrer — para quem eu fosse morrer: eu procedia a uma recusa de separação.)
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trecho de Fragmentos de um Discurso Amoroso, Roland Barthes
de Egon Schiele
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