Ontem gastei o pouco dinheiro que eu não tinha para comprar mais dois livros, dos treze livros que comprei nesta semana. Pergunto, se de alguma forma tive um acesso, se isso pode ser nomeado, como um acesso de loucura, futilidade – mesmo uma futilidade pseudo culta – num consumismo fúnebre, fetichismo alucinado, envaziamento do livro, leitura líquida, seja lá como se pode dar nome à isso. ?
Não sei. A primeira coisa que posso constar, de certa forma feliz porque vejo neste ato uma progressão – é que sete destes livros são de língua portuguesa; cinco de autores brasileiros; quatro de autores que eu conheço pessoalmente; três da querida Editora Patuá; dois provindos da antiga região denominada austro-hungria; um da região do caribe; e três guias de viagem – sendo dois com enfoque literário, mais um dicionário.
Destes dez, desconsiderando guias e dicionário, sete são de autores vivos. Ou seja, apenas três livros são de autores póstumos e isto porque ambos são falecidos nas últimas décadas.
Por que ressalto estas escolhas?
Porque imagino, em minha ingenuidade, paixão, leiguice tórrida, ou seja lá mais uma vez o que os puristas, cultos e 'ascéticos', preferem chamar, que isto é consideravelmente importante para avaliar o avanço, a qualidade da literatura contemporânea, de língua portuguesa, brasileira, e ainda mais do deslocamento da fonte de cultura da Europa Ocidental para outras regiões mais “vandalizadas” culturalmente, entre aspas, claro.
Embora, o mundo abra cada vez mais espaço para os seus ebooks, ipads e genéricos digitais, acredito, mais do que nunca, na força que a literatura imprime aqui. Com certeza há uma mudança radical na forma com que ela se põe e na forma com que nos relacionamos, não estou querendo impor a velha literatura para um mundo que já se verticaliza acima do que eu mesma posso compreender. Seria burrice. Ignorância da própria ignorância. Nem pretendo travar uma briga entre tecnologia versus cultura. Imagino que elas podem muito bem se imbricar e muito bem se desafiar e também se destruir, isto tudo depende das mãos que as manejam. Não pretendo abordar isto aqui muito mais profundamente, até porque não tenho o trabalho científico, empírico, dos dados, apenas o intuitivo e uma experiência quase ou totalmente lírica do dia-a-dia.
Enfim. Por que tantos livros de língua portuguesa? Como todos, ou a maioria sabe, estou indo viajar para fora do país, e me preocupo no mais com uma saudade ansiosa e alucinada que vou ficar desta língua, que não é só a minha língua fluente, mas a língua que há 24 anos cabe em minha boca e que me assume e assalta as experiências de toda a minha vida. O português é a língua mais bonita que conheci até agora, e conheço poucas – mas esta é a paixão, cega e hirta de um olho só, que já compreende o objeto amado como o maior que existe. Mas quem nasceu no Brasil sabe, mesmo sem ter saído nenhuma vez daqui, que é um dos lugares de habitats mais alucinantes que a Terra conheceu. É desta forma, silenciosa e meio inata, que amo a minha língua. Medo de esquecê-la. Medo de não pô-la na minha boca, esta que é mãe da minha existência.
Por que ressalto que destes quatro livros conheço os autores? Imagino que para mim, e para todos, possa parecer mera adubação, simpatia, cortejo, abrulhamento dos íntimos, mas não. Tenho mais vigor e mais exigência com os íntimos do que com os que estão fora. Com os próximos amo de olhos abertos, virginianamente, atenta aos rasgos, rasuras, manchas, e brotoejas. Estou firme e afiada para as imagens lassas, carcomidas, e inférteis. Não me interessam. Apenas me interessam caso mostrem servir-se de um terreno que deseja ser remexido, infiltrado, desconstruído se for o caso, aí sim, darei tudo de mim, porque acredito que todos aqui podem chegar a lugares inimagináveis por nós mesmos e pelos que nos rodeiam. De qualquer forma, estes quatro autores a que me refiro não precisam de arado, precisam sim de chuva para que continuem movimentando seus barcos no lamaçal de suas poesias. Agradeço, a Editora Patuá, por publicar alguns desses livros. E fico muito satisfeita de poder acompanhar tão de perto esta caminhada – dançante, labirintesca, que seja – nos meus olhos míopes e um pouco infantis – para mim isto é festa, o que fulgura além de si mesmo, não pode ser nada mais do que festa, envolvido de todo o corpo, razão, alma, e mais.... aquilo que não nomeamos. Dança. E a dança não pode ser empedrada, a la chacal, sem seus sapatos, até o fim da vida.
Julia Mendes, 6/4/2013